segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Sem Lula, era Dilma terá nova relação governo-PT

Publicada em 01/11/2010 às 09h04m
Leila Suwwan


SÃO PAULO - Ao mesmo tempo em que vive seu auge, com a eleição de Dilma Rousseff e de bancadas históricas no Congresso, o Partido dos Trabalhadores tem à frente o desafio de equilibrar sua força política com as exigências da governabilidade balizada pelo aliado PMDB. Dessa forma, bandeiras ideológicas do PT - do controle social da mídia à legalização do aborto - poderão ter de ficar restritas à mobilização social e partidária, poupando o futuro governo de desgastes. Para isso, o partido se prepara para exercitar sua musculatura, na era pós-Lula, pelo Legislativo, sem "imposições programáticas". Na opinião do vice-presidente do partido, Humberto Costa (PE), o resultado das urnas é uma demonstração de que o PT já não vive mais à sombra de Lula e conseguiu amadurecer para não ficar à sombra também da máquina administrativa federal.
- O PT aprendeu com os erros e conseguiu separar o que é o papel do partido e o que é o papel do governo - disse Costa às vésperas da eleição. - O partido também avançou muito no seu papel questionador, e acredito que esses avanços vão ajudar no governo Dilma. O PT vai ter uma função muito mais evoluída no próximo governo porque sabe hoje como deve atuar.
Dilma já decretara que bandeiras históricas do PT serão assunto da sociedade civil organizada. Na campanha, repetia: "Movimento é movimento, sindicato é sindicato, e governo é governo." Na trincheira de governo, para auxiliar nessa separação, estarão Antonio Palocci, cotado para a Casa Civil, e o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, nome certo no primeiro escalão. Entre as batalhas que o PT tentará travar em paralelo estão a redução da jornada de trabalho, a descriminalização do aborto, a taxação de grandes fortunas e a audiência prévia à reintegração de terras invadidas.
Usada em tom de ameaça pela oposição, essa nova relevância programática do PT foi um trunfo pouco alardeado internamente, em parte para evitar temores sobre as "imposições" que o partido poderia fazer a Dilma. Em setembro, o deputado cassado José Dirceu (PT-SP) sintetizou a petroleiros:
- Depois do pós, o 1º de janeiro, a força do partido e sua presença se expressam muito pela participação na vida política do país. Um partido com 30% de votos não pode ser desprezado por nenhum presidente. Temos que chegar para discutir com propostas. Tem uma disputa contra nós na comunicação - disse, sem saber da presença da imprensa. - A eleição da Dilma é mais importante do que a do Lula, porque é a eleição do projeto político, porque a Dilma nos representa.
Dirceu, forte articulador do PT, elegeu o filho Zeca para a Câmara e aguarda apenas o julgamento do mensalão no STF para retomar uma vida política mais ativa. Sua volta ao Executivo é improvável, mas jamais foi descartada. O discurso de Dilma é igual ao dele: não existe pena de "banimento".
A disputa que ele mencionou, com o acirramento e escândalos de campanha, fortaleceu os aliados moderados.
- É Dilma quem dará o ritmo, o perfil e a coloração da prática política do governo. Não há temor (de excessos) do PT. Eles já têm a Presidência, uma vantagem imensa. Para o PMDB, é fundamental a boa convivência na coalizão, especialmente saindo de uma campanha tão violenta - diz Moreira Franco (PMDB), um dos coordenadores do programa de governo, que acabou ficando na gaveta.
Porém, o documento final eliminou as propostas polêmicas do PT e serviu de "embrião" para "pesos e balanços" entre os aliados. Muito atacada na campanha do segundo turno por causa do tema "aborto", Dilma - que acabou prometendo não propor ou sancionar leis que impactem a religião - ainda lançou um programa de governo genérico, sem citar a questão.
- Temos buscado o consenso mínimo, o entendimento. A blindagem, o isolamento e a soberba não servem para construir uma aliança sólida - afirma Moreira Franco.
A primeira grande prova de força do PT será a queda de braço com o PMDB pelas presidências da Câmara e do Senado, em fevereiro. Dela sairão também as relações da "governabilidade" de Dilma. O PT saiu das eleições deste ano como o partido com mais deputados na Câmara. No Senado, conseguiu a maior bancada de sua história.
- O PT vai ter uma importância relativa maior na escolha das mesas em fevereiro, o que será um termômetro da correlação de forças que irá prevalecer - avalia o cientista político da USP André Singer, que já foi secretário de Imprensa de Lula.
Na Câmara, os "nomes naturais" são Cândido Vaccarezza (PT-SP) e Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN). O peemedebista já chegou até a ser anunciado como nome certo - e estratégico - pelo vice eleito, Michel Temer (PMDB), que será um articulador político, em paralelo à Casa Civil. No que depender de Vaccarezza, ex-líder do PT e atual líder do governo, o partido terá atuação discreta na Câmara:
- Não tem qualquer bandeira tradicional do PT que esteja em conflito com o governo - disse, logo defendendo a importância da base legislativa majoritária no presidencialismo brasileiro. - Nossa prioridade é dar sustentação política e social ao governo. Se o governo não tiver maioria, cai. A oposição reclama, mas entenderia isso se tivesse lastro democrático.
Costa segue a mesma trilha, cita a antiga vulnerabilidade do governo no Senado e garante que o PT não fará "imposições":
- O fato de o partido crescer não significa que ele vai impor sua agenda. Ele vai desenvolver um diálogo com o governo e com as demais forças que o compõem, tendo a exata noção de que se trata de uma coalizão. O crescimento da bancada, especialmente no Senado, vai ter um papel importante para a governabilidade. O Senado foi um espaço onde a oposição armou sua trincheira para fazer o combate ao governo Lula.

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